quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Papai Noel às avessas


Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.

Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papais-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças.
Papai entrou compenetrado.

Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais
[lindos
mas os sapatos deles estavam cheios de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.

Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidentes
brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papai Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.

Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.
(Carlos Drummond de Andrade)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Cultura da Convergência


Vocês conhecem o grupo Hight School Glee? É uma série de televisão realizada pela FOX. Os personagens principais não são o líder da torcida ou o famoso do basquete, essa série aposta nos losers. O interessante é que a partir desse grupo, como em outros, surgiram covers no Youtube que se tornaram famosos pela criatividade e talento. Os dois vídeos em maior destaque são 1 e 2 . Nesses vídeos, percebe-se a interação dos telespectadores com a trama, mas não é somente uma cópia fiel, mas há uma expansão do universo da série e assim os fãs deixam de ter um papel apenas de apreciadores, mas também de colaboradores. Esse fato pode ser denominado como cultura da convergência, na qual Jenkins (2008), autor do livro Cultura da convergência, afirma ao fazer a análise do filme Matrix , o qual nos levou a um universo em que a realidade e a ilusão se fundem. O mesmo acontece nos exemplos acima de Glee, no qual os espectadores envolvem-se de maneira real em seu enredo.

Além disso, os telespectadores que idealizaram e produziram os vídeos citados acima evidenciaram várias questões como: a utilização dos recursos tecnológicos, não é necessário mais de uma pessoa para montar uma banda virtualmente. Porém, ele não está sozinho, está inserido numa rede, em que compartilha, nesse caso, por meio da Internet suas impressões e leituras do seriado. E a partir das quais outros telespectadores/produtores irão realizar outros vídeos interagindo com todos ao mesmo tempo. Dessa forma, relaciono essa prática com Lévy, o qual o próprio Jenkins cita em sua obra, em que consiste sobre a inteligência coletiva e dentro desse contexto, autores, leitores, produtores e espectadores irão se dissolver e se transformarem em uma rede na qual cada um trabalha para “sustentar a atividade” do outro.


Uma série na qual está inserida essas mesmas noções é a Death Note , o “Caderno da Morte”, a história acontece em torno de um adolescente que encontra um caderno que causa a morte da pessoa cujo nome for escrito nele. Primeiramente, surgiu como uma série de mangá, publicada em uma revista semanalmente, depois tornou-se um longa metragem e, agora, está disponível em anime com 37 episódios. O interessante é que existem várias regras para se usar o caderno e somente ao longo dos episódios elas são reveladas, dessa forma, foram criadas comunidades no Orkut para a discussão e troca das regras descobertas por todos e assim construindo uma lista única. Surgiram também games cujo tema é investigação e o jogador se torna o personagem principal e tem o poder de decidir o destino dos outros.

Gostaria de finalizar com a citação que Jenkins fez em seu livro de uma amigo roteirista experiente: “ Quando comecei, era preciso elaborar uma história , porque, sem uma boa história, não havia um filme de verdade. Depois, quando as sequencias começaram a decolar, era preciso elaborar um personagem, porque um bom personagem poderia sustentar múltiplas histórias. Hoje, é preciso elaborar um universo, porque um universo pode sustentar múltiplos personagens e múltiplas histórias, em múltiplas mídias”.